28 de mar. de 2011

Política do "mata mas faz" impera na Baixada Fluminense

Entrevista com José Cláudio Alves (UFRRJ)


Política do "mata mas faz" impera na Baixada Fluminense, 
avalia pesquisador
Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos.
por Spensy Pimentel, em 12 de setembro de 2006.


O sociólogo José Cláudio Souza Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), define o estado da política hoje na Baixada Fluminense em uma analogia com o lema "rouba, mas faz", atribuído aos que votam em notórios corruptos por alegarem que seu governo dá resultados. "Aqui, é o 'mata mas faz'", diz ele. Autor do livro "Dos Barões ao Extermínio – Uma História da Violência na Baixada Fluminense", Alves tem uma tese contrária à afirmação comum de que os grupos de extermínio na região constituem um "poder paralelo", "fora do Estado".


Rio de Janeiro (RJ) - O sociólogo José Cláudio Souza Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), define o estado da política hoje na Baixada Fluminense em uma analogia com o lema "rouba, mas faz", atribuído aos que votam em notórios corruptos por alegarem que seu governo dá resultados. "Aqui, é o 'mata mas faz'", diz ele.

Autor do livro "Dos Barões ao Extermínio – Uma História da Violência na Baixada Fluminense", Alves tem uma tese contrária à afirmação comum de que os grupos de extermínio na região constituem um "poder paralelo", "fora do Estado". "Não é nada paralelo. Esses grupos representam um estágio da própria construção do Estado e do poder político na região."

Alves vê a origem dos grupos organizados responsáveis pelas execuções sumárias na região no período imediatamente posterior ao golpe militar de 1964. Era uma reação à mobilização popular na região. Havia sindicatos poderosos, ligados a empresas estatais como a Fábrica Nacional de Motores e a refinaria Reduc, ambas em Duque de Caxias, além de um movimento camponês muito ativo, que vinha promovendo dezenas de ocupações de terras.

A tensão social também decorria dos efeitos da intensa e rápida migração e da instabilidade econômica durante o governo de João Goulart (1961-64). Em 1962, em protesto contra o mercado paralelo do feijão (que havia tido os preços tabelados), a população de Caxias saqueou cerca de 2 mil lojas.

Uma greve geral foi convocada contra as tentativas de veto direto à indicação de um ministro progressista. Confrontos de agricultores com a polícia geravam especulações sobre a formação de uma guerrilha, de um lado, e de grupos paramilitares para defender os proprietários, de outro.

Alves recupera em seu estudo um levantamento realizado pelo Jornal do Brasil, em 1975, a respeito dos crimes de execução sumária em Nova Iguaçu – que na época incorporava diversos distritos que hoje são municípios da Baixada. Foram oito execuções em Nova Iguaçu em 1964; 23, em 1967; 199, em 1974, ano em que a repressão da ditadura militar chegou ao auge.

Os militares eram o braço executor de um esquema financiado pelos comerciantes da região e sustentado politicamente pela ditadura. Para se ter uma idéia, pela presença da Reduc, Duque de Caxias foi transformada pelo regime militar em Área de Segurança Nacional e não podia eleger seus prefeitos, que eram indicados pela ditadura.

Em alguns municípios, famílias instaladas no poder em aliança com o regime militar, permanecem até hoje em operação. Alves cita como exemplo os Abraão David, de Nilópolis.

A violência se generalizou. Segundo as contas de Alves, no fim dos anos 80, a Baixada registrava um índice de 95 assassinatos a cada 100 mil habitantes.

Hoje, são 76 por 100 mil – mais que o triplo da média nacional, e quase o dobro do que é registrado na capital do Rio. Por dia, são 5 a 6 mortes na região, que tem quase 3 milhões de habitantes – e um quarto dos votos do Rio. Só 7,8% desses assassinatos são investigados.

Os grupos de extermínio que recebiam guarida do regime militar nos anos 80 continuaram com vida autônoma após a redemocratização do país, segundo Alves. Passaram, então, a diversificar suas fontes de renda, pleiteando lucros do crime organizado, tráfico de drogas e jogo do bicho.

No início dos anos 90, líderes de grupos de extermínio iniciaram carreiras políticas, em alguns casos, meteóricas. "É a chegada dos matadores ao poder. É uma forma de se proteger e, também, de tomar para si o controle sobre as regiões."

O resultado é o que Alves chama de "lavagem de cidadania", em analogia com o crime de lavagem de dinheiro. "O poder é o melhor alvejante. Sobretudo quando é calcado sobre a desgraça dos mais pobres", diz ele.

"A respeitabilidade é mantida. Eles constroem um mito em torno de si. Mas, quando você vai investigar, vê que há sobre a pessoa acusações de roubo de carros, seqüestro, tráfico."

A explicação para o sucesso dos "políticos matadores" não está apenas no respaldo social à execução dos "bandidos". Os novos políticos adotaram práticas clientelistas, bem à moda da Baixada, e passaram, por bem ou por mal, a conquistar "currais eleitorais" nos bairros pobres da região.

A possibilidade de fazer a luta política pelas armas também gera vantagens para os matadores. Segundo explica Alves, eles podem, por exemplo, usar da força para garantir que os adversários não farão campanha em seus redutos eleitorais.

Também intimidam a imprensa e conquistam aliados no governo estadual. "Como eles têm força política, conseguem exigir que aliados sejam mantidos e adversários sejam eliminados do aparato da segurança pública", explica ele.

As eleições, na visão do sociólogo, são uma oportunidade para a população começar a se desvencilhar do domínio que é exercido pelos grupos de extermínio. "A população tem que começar a fazer uma reflexão mais profunda e por que ela está presa a esse jogo de interesses", alerta o pesquisador. "Eleger pessoas que não estão relacionadas a esses grupos seria um grande passo."

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