2 de mar. de 2014

"A Silenciosa Emergência da Sociedade Administrada"


Um dos grandes riscos deste nascente século XXI é a confusão que fazem entre fascismo e anti-semitismo, entre fascismo e campos de concentração. Nem todos os regimes fascistas foram anti-semitas, nem todos fizeram os grandes campos de morte industrializados como os de Treblinka...


A SILENCIOSA EMERGÊNCIA DA "SOCIEDADE ADMINISTRADA".
by Ioda Insone


Um dos grandes riscos deste nascente século XXI, e que, em minha pobre opinião, parece favorecer o crescimento silencioso de teses e práticas fascistas, é a confusão que as pessoas fazem entre fascismo e anti-semitismo, entre fascismo e campos de concentração. Nem todos os regimes fascistas foram anti-semitas, nem todos fizeram os grandes campos de morte industrializados como os de Treblinka. O fascismo, no que consigo compreender, seu germe e seu profundo potencial de desumanização reside (e isto é comum para todos os regimes fascistas) no desejo do controle absoluto. No desejo de controle de cada ação, cada centímetro, cada opinião, cada segundo das vidas dos elementos daquele grupo ou sociedade. É claro, conforme o regime e a época, conforme a escala em que falamos (estado, corporação, comunidade, grupelho, etc) tal desejo e o poder de implementá-lo são maiores ou menores. Mas em todos percebo essencialmente a mesma coisa.

O grande desejo do fascismo é viver em uma sociedade administrada, no todo controlado, onde tudo é "perfeito", "eficiente", "bonito" e "positivo" (segundo os padrões de quem detêm e concorda com o controle). Dentro das fábricas, das corporações, das escolas, isto pode se traduzir como o máximo aproveitamento do tempo por centavo investido. Não é coincidência que a "administração 'científica'" de Frederick Taylor tenha encontrado abrigo nas empresas de Henry Ford. Ford, por sua vez, foi o maior incentivador americano do fascismo anti-semita alemão, tendo recebido inclusive a Ordem da Água Germânica. Não é a toa que Taylor tenha inspirado aquilo que Georges Ritzer chama de sociedade Mcdonaldizada - eficiência e controle absolutos!

Numa sociedade administrada você deve se ater apenas àquilo que deve fazer. Deve ser produtivo, limpo, eficiente, positivo e se possível, bonito. Suas idiossincrasias, suas questões interiores, suas paixões? Não têm lugar aqui! Se você sair "fora da casinha", pronto, é jogado fora e substuído por outra "peça" que funcione de acordo com o esperado. Numa sociedade administrada não existe espaço para paixões outras que não previstas ou desejadas pelo agente controlador (estado, patrão, gerente, administrador , etc). Existe menos lugar ainda para aqueles que são muito diferentes dos padrões estabelecidos.

Numa sociedade administrada não há lugar para a cultura não-industrial ou não-regulamentada. O que estiver fora da grade de programação está fora! Não é mais do mesmo? Está fora! Pior que isto! Na "cultura administrada" não existe lugar para a filosofia, para a reflexão, para o questionamento, para a argumentação, para a ironia, para o sarcasmo, para o debate em profundidade. Tudo é tomado como ofensa, como provocação violenta. Só não é violento xingar e dar porrada!

Lê muito? Tacape! Argumenta? Tacape! Põe em questão? Tacape! Quanto mais informados os argumentos, mais ofensivos! O próprio conhecimento, se for para além da caixinha, é tomado como ofensa. E a uma ofensa tão grave só há uma linha possível de resposta: xingamento, porrada ou coisa pior! Não é a toa que um certo alguém afirmava: "Ao ouvir falar em cultura, saco a minha pistola!". Não é a toa que programas de treinamento gerencial põem o dedo em técnicas de eliminação de debates. A conversa deve ficar restrita ao campo produtivo! A sociedade administrada é essencialmente anti-intelectual!

Mas isto não é coisa do passado? Não se desfez na areia do tempo? Pelo contrário! A década de Tatcher, a mulher-manteiga, deu luz a padrões de comportamento e trabalho para funcionários corporativos, em especial em lanchonetes de fast food, call centers, grandes corporações e até escolas (particulares e públicas) que em larga medida se encaixam no ideal de sociedade administrada, no desejo de administração do todo.

Incorporam mais e mais elementos gerenciais básicos que não nasceram agora. Elementos que nasceram sob a batuta de Henry Ford, com o dna de Frederick Taylor e que foram aperfeiçoados por alguns velhos regimes europeus de triste memória. Colocaram o pé na educação sob os auspícios de Franklin J.Bobbit e após a Segunda Guerra, adormeceram por um tempo, abafados pelo pouco de humanidade e dignidade que os regimes social-democratas e o estado do bem-estar-social conseguiram construir.

Mas hoje, depois do governo da mulher-manteiga e seus amiguinhos, Reagan e Pinochet, desde a queda do muro, estes elementos voltaram. Voltaram e estão com força cada vez maior, modificando instituições, comunidades, sociedades e relações interpessoais. Aquele velho e bom chopp acompanhado de papos acalorados sobre política pode estar com os dias contados. Argumentos e opiniões sendo colocados como proibitivos para o convívio social! "Qual seu argumento, companheiro?". Pronto! Ofensa grave, fecha a mesa, pede a conta e todo mundo pra casa ver o último capítulo the "Wall King Dead".
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